As alternativas bio aos plásticos de uso único não são a panaceia milagrosa. Reduzir e reutilizar é a solução
Carla tomas
Açúcar, algas, seda, cortiça, celulose, batatas, milho, trigo ou maçãs são algumas das maté- rias-primas que já substituem ou podem vir a substituir os plásticos convencionais, sobretudo os de uso descartável com origem em petroquímicos.
Há projetos para produzir biomateriais para uso médico utilizando as técnicas da aranha ou do bicho da seda. E há já novos bioplásticos ou plásticos ditos biodegradáveis à venda no mercado nacional, como palhinhas feitas de cana-de-açú- car ou pratos de farelo de trigo que podem ser comestíveis ou mais facilmente desfeitos através de compostagem (processo através do qual os microrganismos transformam a matéria orgânica numa espécie de terra ou composto) ou biofilmes para a agricultura feitos de amido de milho e óleos vegetais que se degradam na terra com a matéria orgânica.
Porém, nem tudo o que é bio no campo dos plásticos é uma miraculosa solução para acabar com o flagelo que inunda os mares, mata animais marinhos e entra na cadeia alimentar humana. O lema, sublinham os ambientalistas, deve ser reduzir o consumo de produtos de plástico, sobretudo os descartáveis ou de uso único, e reutilizar recorrendo a embalagens de vidro, inox ou até tupperware ou ao tradicional saco de pano, seja para comprar pão, legumes, ou até comida de take away.
“Substituir um descartável por outro descartável não nos deixa necessariamente melhor e passam-se mensagens falsas
de que há copos ou pratos biodegradáveis que podem ser largados no ambiente”, alerta Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero. Mesmo os copos de papel têm uma película plástica, e a mistura de polímeros de muitos bioplásticos deixa-os num limbo, já que não podem ser colocados no ecoponto e têm de ir para o lixo indiferenciado, que acaba em aterro ou incinerado. A mesma ideia é sublinhada por Carmen Lima, da Quercus: “Ainda não temos resposta adequada para a recolha dos bioplásticos e a maioria do produtos que é enviada para compostagem não desaparece rapidamente e acaba por gerar microplásticos.”
Claro que há produtos de bambu ou de cana-de-açúcar mais facilmente eliminados no ambiente o problema é que estes recursos têm origem noutros continentes e a pegada ecológica que representa o seu transporte ou até a sua produção (se não for sustentável e certificada como tal) pode ser enorme, alertam.
Investir e fiscalizar
Para Pedro Cadete, sócio da empresa Soditud, “tem de haver um equilíbrio entre a redução dos descartáveis e os produtos alternativos sustentáveis que precisam de incentivos fiscais para vingar no
mercado”. Porém, admite que fazer bioplásticos de amido de batata ou de beterraba “pode trazer problemas ambientais devido à quantidade de terra e de água necessárias para a sua produção”. Já as palhetas para mexer o café feitas de maçã não terão esse impacto, pois utilizarão “fruta feia”. Mas só têm o protótipo e faltam investidores para avançar com a produção.
Investimento é o que não falta ao RAIZ Instituto de Investigação da Floresta e do Papel, da Navigator, que conta com 15 milhões de euros para um projeto de utilização de fibras da celulose para a criação de materiais compósitos
biodegradáveis. “Prevendo-se a redução do consumo do papel para impressão escrita, a aposta é produzir dentro de um a dois anos embalagens para fins transacionáveis ou fibras têxteis com base na celulose”, adianta o diretor, Carlos Pascoal Neto.
Contudo, como a maioria dos bioplásticos, também estes levam meses ou anos a decom- por-se na natureza. “Sendo de origem renovável, os bioplásticos podem resolver o problema dos de origem fóssil, mas não a biodegradabilidade no ambiente”, admite Armando Silvestre, químico da Universidade de Aveiro que investiga o uso de ácido furanodicarboxíli-
co obtido a partir de açúcar de plantas (PEF) para substituir o polietileno tereftalato (PET) de origem fóssil nas garrafas de água ou refrigerantes. Para o investigador, “existe conhecimento científico e potencial para soluções mais amigas do ambiente, mas é preciso pressão política e fiscal para motivar as empresas”.
O secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, está confiante de que, como aconteceu com os rolos fotográficos, exista uma rutura tecnológica e as embalagens de uso único desapareçam em 10 ou 20 anos. Para já, diz que “a política terá sucesso à medida que as empresas olhem para a sua própria prática e façam mudanças, melhorando os materiais para que sejam mais recicláveis e usem menos matéria-prima”.
Por seu lado, a Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos (APIP) continua a defender que “sendo o plástico um material versátil, útil e que desempenha uma função de extrema importância na sociedade de consumo”, proibir os de uso único “é um retrocesso”. A APIP considera que os produtos alternativos têm um “desempenho ambiental inferior” e que a poluição “resulta de comportamentos menos cívicos” e que “é necessário apostar na reciclagem”.
Se bem que o sonho seja criar uma economia circular onde os plásticos possam ser 100% recicláveis e os seus resíduos minimizados, a realidade indica que 90% dos plásticos de uso único acabam descartados, conduzindo à crise ambiental a que assistimos.
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O inimigo n 1 do planeta
A imagem de animais marinhos presos ou com o estômago cheio de pedaços de plástico e a de ilhas flutuantes de polímeros descartados conduziram à consciência pública de que é preciso eliminar o “flagelo”
1 Quando surgiu?
O primeiro polímero sintético surgiu em 1869, mas só um século depois a produção se generalizou, com base em combustíveis fósseis. Entre 1950 e 2018, a produção mundial passou de 1,5 milhões de toneladas para 340 milhões. Sendo um material barato efácil de produzir, o plástico está em tudo, das embalagens alimentares aos aviões, passando pela cosmética, carros, roupa ou computadores. Em 70 anos, produziram- se mais de seis mil milhões de toneladas de resíduos de plásticos e todos os anos vão parar ao mares 8 a 12 milhões de toneladas, afetando a vida marinha e a cadeia alimentar humana. Em 2050 haverá mais plástico do que peixe no mar.
2 Como se combate?
A solução mais sustentável passa por usar produtos reutilizáveis e reduzir o consumo de plásticos de uso único ou descartável, acabando com a cultura consumista de usar e deitar fora. Para isso é necessário consciencializar a população. A reciclagem não é a solução porque é cara, depende do comportamento humano e não é possível para todo o tipo de plásticos, e os materiais reciclados perdem qualidade. Atualmente, apenas 9% dos plásticos são reciclados no mundo. A UE quer chegar a 50% em 2020 e 65% em 2035. Os cientistas estão a desenvolver biomateriais e plásticos biodegradáveis para tornar os produtos mais sustentáveis e a reciclagem mais eficiente.
3 O que faz Portugal?
O Governo português já proibiu a administração pública central de adquirir novos produtos de plástico descartável em 2019 e conta avançar com o projeto- piloto para garrafas de plástico com tara retornável até ao fim do ano. O sistema deverá ser alargado a todo o país em 2021. Está ainda a ser preparada nova legislação que inclui incentivos fiscais ao uso de plásticos descartáveis. A União Europeia, por sua vez, aprovou a proibição de venda de palhinhas, pratos, copos, talheres, cotonetes, varinhas de balões, entre outros plásticos de uso único a partir de 2021 e quer a separação efetiva de 90% das garrafas de plástico descartável em 2029.