Os reguladores defendem que é necessário que os relatórios de sustentabilidade das empresas passem a estar integrados nas contas, mas também que as agências de “rating” devem considerar os elementos sustentáveis na hora de tomar decisões.
“Green bonds”, ou obrigações verdes, deixaram de ser um termo desconhecido nos mercados financeiros. Os investidores apostam agora nestas emissões de dívida cujo encaixe é exclusivamente utilizado em projectos “amigos” do meio ambiente.
Mas estas fazem parte de um mercado que ainda não é regulado, o que devia passar a acontecer, de acordo com os vários reguladores presentes na conferência anual da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), em Lisboa. Porém, ainda não sabem como é que esta regulação vai funcionar.
A presidente da CMVM admitiu que é “preciso algum tipo de regulação”, mas que ainda “é muito cedo para se dizer como e quando”. Para Gabriela Figueiredo Dias, é “mais uma questão de supervisão do que regulação”, por levantar mais receios neste campo. “O nosso principal objectivo é que os investidores estejam protegidos”, notou a responsável, frisando que é possível conciliar os objectivos da CMVM com a sustentabilidade.
Esta opinião é partilhada por Steven Maijoor, presidente da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA). Este mercado “deve ser regulado” para “garantir que os mercados de capital funcionam de forma adequada”, referiu. Para o responsável da ESMA é preciso também adoptar medidas neste campo, algo que a entidade que lidera já começou a fazer, nomeadamente uma consulta pública, que arranca em breve, sobre a possibilidade de as agências de notação financeira começarem a ter em conta os elementos de sustentabilidade das empresas na hora de tomar decisões sobre o “rating”. E, refere, necessário que os “riscos de sustentabilidade estejam devidamente reflectidos quando os investidores tomam uma decisão”.
Além disso, a mentalidade também tem de mudar dentro das empresas, algo que os investidores já começaram a fazer, olhando mais para a sustentabilidade e não tanto para os retornos. Steven Maijoor considera que as companhias devem, por exemplo, começar a integrar o relatório de sustentabilidade no relatório geral. Para estes reguladores, estes são alguns passos que podem ser dados para tornarem o investimento sustentável em algo “mainstream”.
Incentivos para investir
“Se não formos capazes de adoptar uma abordagem de longo prazo, vamos ficar presos”, defendeu Gabriel Bernardino, presidente da Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões. Mas, para este regulador, “têm de ser dados incentivos” para que as empresas adoptem uma abordagem mais “verde”, como benefícios fiscais por parte do Governo.
“Não vamos ser ingénuos. Se não houver incentivos, mecanismos, que guiem esta tendência, esta não vai acontecer (…) é preciso fazer mais”, salientou Paulo Rodrigues da Silva, CEO da Euronext Portugal, isto numa altura em que “os números são limitados e não estão a evoluir ao ritmo que queríamos, nomeadamente na emissão de obrigações verdes”.
E preciso adoptar medidas e incentivos que tornem este investimento em algo “mainstream”.
A regulação dos investimentos sustentáveis foi um dos temas em cima da mesa na conferência anual da CMVM, realizada na sexta-feira.
Centeno quer fiscalização no uso da “marca verde”
O ministro das Finanças adiantou que é preciso redireccionar o capital para o investimento sustentável e torná-lo o “novo normal”.
Sustentabilidade é uma palavra que se ouve cada vez mais entre gestores de activos e entidades financeiras. Com as exigências dos investidores a mudarem, no sentido de incluir a política de impacto nas suas escolhas financeiras, há uma preocupação por parte das entidades para responder a esta procura. Mas nem todos os produtos que se vendem com a marca “verde” realmente o são, alerta o ministro das Finanças. Para Mário Centeno cabe aos supervisores garantir que tal não acontece.
Obrigações verdes, fundos de investimento socialmente responsáveis, obrigações de empresas com baixas emissões de carbono. São alguns exemplos de produtos de investimento que privilegiam empresas que mantêm uma boa governação e um modelo de negócio com impacto na sociedade. Mário Centeno considera que é necessário tornar o investimento sustentável “o novo normal dos mercados financeiros” e “redireccionar o capital para o investimento sustentável”. Mas é função do supervisor “prevenir a utilização abusiva da marca verde”, lembrando que há produtos que se vendem como verdes, sem o serem, destacou o governante na conferência anual da CMVM, esta sexta-feira em Lisboa.
Além da necessidade de garantir o cumprimento de um conjunto de condições para ser sustentável, Centeno alertou que é preciso fugir à pressão dos ganhos elevados e rápidos e do investimento especulativo. “Defendo que os decisores introduzam a noção de tempo como um factor essencial no processo de decisão de investimento”, apontou, adiantando que nos últimos anos “encurtámos os tempos dos retornos”, uma situação que “aumenta o risco de desigualdade e gera níveis de investimento inferiores aos desejáveis”.
“Constituindo uma oportunidade de transformação do sistema financeiro, o tema da sustentabilidade apresenta também um risco relevante de superficialidade, opacidade e oportunismo”, defendeu Gabriela Figueiredo Dias. Apresi- dente da CMVM sublinhou ainda que “as limitações do modelo e dos instrumentos tradicionais, por um lado, e a inquietação crescente sobre a insuficiência dos instrumentos disponíveis de poupança e protecção social, por outro, determinam uma solicitação crescente, dirigida aos responsáveis pelas políticas e agentes do mercado, de concepção de novos modelos que acomodem as preocupações de sustentabilidade dos investidores que hoje buscam um novo sentido para o investimento”.
Segundo números citados pela presidente do regulador, o volume de emissões de obrigações verdes atingiu cerca de 140 mil milhões de euros em 2017, o que representa um aumento de 14 vezes desde 2013. Já os desinvestimentos em activos intensivos em carbono ascenderam a cinco biliões de euros por ano”. Assim, tornou-se “urgente a implementação de mais exigentes modelos de governação, ao serviço de objectivos de longo prazo e de retoma da confiança dos investidores e aforradores”.
140 investimento
O volume de investimento de obrigações verdes atingiu, em 2017, cerca de 140 mil milhões de euros.