Ministro anuncia leilão para projetos de energia solar
Em entrevista ao Expresso, o ministro do Ambiente e Transição Energética reconhece que as metas de reciclagem do lixo não vão ser cumpridas, diz que não se leva demasiado a sério e confessa que o “querido amigo” Azeredo Lopes lhe faz falta no Governo
João Pedro Matos Fernandes Ministro do Ambiente e da Transição Energética
“Não sou ambientalista”
Depois de seis horas a debater o Orçamento do Estado com os deputados na AR, o ministro do Ambiente, agora também da Transição Energética, recebeu no final da tarde desta quarta-feira o Expresso no seu gabinete. Duas horas de conversa em que se falou de política, de ambiente, de energia, de transportes e de habitação. Não descartou uma candidatura autárquica na sua “casa”, o Porto, confessou mágoa por já não ter o amigo Azeredo Lopes (“um grande cozinheiro”) no Governo e garantiu que o peso de ter às costas um superministério não lhe tira o bom humor: “Levo-me pouco a sério.” Assume que não veste a camisola ambientalista e defende “que Ministério do Ambiente tem que fazer política e não pode dizer não a tudo”.
Tem na sua tutela áreas como habitação, ambiente, transportes, energia e ordenamento do território e conservação da natureza. Tem cinco Secretarias de Estado, número só equiparável às Finanças. Este é um superministério?
Tenho as pastas necessárias para dar resposta à dimensão dos problemas ambientais com que nos confrontamos. Até porque os problemas ambientais deixaram de ser problemas ambientais tout court. Temos de migrar para uma economia circular, para mais quando assumimos ser neutros na produção de carbono no 2050. Sendo responsável pela política climática, faltava a este ministério uma ferramenta da maior importância para cumprir os objetivos, que é a política energética.
Então nos últimos três anos o Governo estava a funcionar mal?
Desde o primeiro momento que se percebeu que tendo Portugal que reduzir em 25 por cento as emissões [de C02], fazia todo o sentido ter os transportes neste ministério, o que nunca tinha acontecido. No que diz respeito à política energética, o compromisso da neutralidade energética em 2050 não consta do Programa de Governo [foi assumido em 2016]. Considerou-se, e bem, apostar na produção de energia a partir de fontes renováveis. É tão evidente que a política energética tem que ser uma parcela da política climática que eu achei mesmo que era uma boa decisão.
Não existe o risco de menor eficácia política por ter um Ministério demasiado vasto?
De todo. Se pensarmos no que são os objetivos principais não tenho dúvidas que para sermos neutros em 2050, e termos uma produção de energia renovável que esteja entre os 45 e 47%, em 2030, temos necessariamente que ter bem articuladas as políticas de transportes, de valorização do território, e energéticas sob o chapéu do ambiente.
Não lhe passou pela cabeça algo como “isto já é areia demais”?
Esse pensamento tive-o no dia em que fui convidado para ministro. Agora não.
E conhecido pelo bom humor. Ao fim de três anos, o lugar não lhe tirou o sorriso?
Não. Eu levo muito a sério o que faço mas levo-me muito pouco a sério. Preciso de tempo para mim para fazer as coisas mais normais do mundo, que é estar com os meus e sobretudo ler. Ler muito, ler fora de horas e sobretudo nada que tenha a ver com trabalho.
Portanto, relatórios de ambiente à noite…
De todo, nunca quando estou na cama. Estou a acabar o último do McEwan e já tenho o “Fumo”, do Turguenev. Mas na primeira semana em que aqui estive com a pasta da energia tive vários serões como os que antecedem um exame da faculdade. Estudei e estudei muito. Nunca deixarei de ser engenheiro, preciso mesmo de saber como são as coisas.
Ao fim de três anos, como avalia a experiência de ser ministro?
Encaro sempre estes desafios como desafios profissionais. Preparei este desafio para quatro anos, espero ter condições para o cumprir até ao fim.
Equaciona uma candidatura à Câmara do Porto?
A única coisa para a qual eu concorri na vida foi uma lista ao Porto, liderada por Francisco Assis, para ser vereador do urbanismo, e tenho imensa pena de não termos sido bem sucedidos.
Tem vontade de ser presidente da Câmara do Porto?
É uma questão que tem uma dimensão pessoal que não poderei enjeitar. O Porto para mim é casa. Não tenho dúvidas sobre a relevância social e política que tem ser presidente da Câmara do Porto. Se isso algum dia acontecer será
sempre dentro de uma lista do Partido Socialista, que teria de me escolher e não sei se o fará. A probabilidade de liderar um movimento de cidadãos como Rui Moreira é demasiado remota.
Vai fazer 20 anos que o PS está sem a presidência da autarquia. A recuperação da presidência vai ser um objetivo do partido nas próximas autárquicas?
Essa questão deve ser colocada em primeiro lugar ao Partido Socialista.
Esta é uma nova realidade política, com a ‘geringonça’. A sua atividade como ministro foi condicionada por esse quadro?
Queremos ver aprovadas as propostas que fazemos no Ministério. Já tivemos propostas chumbadas e outras que não foram aprovadas pelos partidos da esquerda (como a lei da Uber). Mas a preocupação com a aprovação de uma medida não nos desvia da procura da melhor solução.
O PS tem procurado aprovar matérias com outros partidos que não a esquerda. Isso pode comprometer a base de apoio do PS para as eleições?
De forma alguma.
Com maioria absoluta ganha-se eficácia na governação?
Esta é a minha única experiência como governante. O PS tudo fará para ter o melhor resultado nas eleições e não tem nenhuma razão para se sentir desconfortável se tiver maioria absoluta. Se o tiver não deixará de governar de uma forma aberta e procurando fazer pontes.
Quando assumiu esta pasta veio do sector das águas. As pessoas nunca o viram como o ministro do Ambiente que vestiu a camisola do ambiente. Já
teve um pedido de demissão, a propósito do furo de Aljezur. Como encarou esta situação?
Foi construída uma imagem do ministro do Ambiente que é a do ministro que diz não. Esse não é o tempo que vivemos. As matérias ambientais são demasiado importantes para que o Ministério do Ambiente seja um ministério de antipolítica. Não sou de todo um ambientalista. Para uma pessoa se dizer ambientalista tem de ter um passado de militância que eu não tenho. Também nunca fui muito o homem das águas, foi o último emprego que tive, mas fui muito mais o homem dos portos, onde trabalhei nove anos como portuário. O Ministério do Ambiente tem que fazer política e não pode dizer não a tudo.
O não às alterações climáticas é um não político.
É óbvio que é um não político, com a certeza de que para combater as alterações climáticas, a condução da política climática é uma política à qual faltarão muitas pernas se não perceber que os ganhos públicos diretos passam pelo sector dos transportes e têm a ver com empresas privadas e com a eficiência energética na casa de cada um. A economia e a vida em sociedade têm ciclos, mas as condições ambientais degradam-se sempre e, por isso, estou convencido que vamos passar o bloco ambiental para a prateleira de cima.
Onde para o estudo de impacte ambiental (EIA) do aeroporto do Montijo?
Está nas mãos do seu promotor ou dos consultores que o estão a fazer e ainda não entrou na Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Houve um primeiro estudo apresentado que ti
nha algumas lacunas (como o impacto dos aviões na avifauna) que poderiam ditar uma avaliação negativa e, ciente disso, o promotor (a ANA) retirou-o para o melhorar e completar. Há de entrar nos serviços do Ministério do Ambiente quando o promotor o entender.
O primeiro-ministro disse estar à espera deste estudo para dar luz verde ao projeto do aeroporto. Isto não é inverter as coisas, como se obrigatoriamente tivesse de ser aprovado?
Um aeroporto como este provoca muito menos impactes ambientais que um a fazer de novo. Os dois principais descritores a ter em conta são o impacto na avifauna e o ruído. Para merecer uma decisão positiva por parte do ministério tem de ter uma decisão técnica positiva liderada pela APA, e que envolve várias entidades de outros ministérios, e que será tomada em total liberdade e a seu tempo.
Defende que não é obrigatória uma avaliação ambiental estratégica, mas uma avaliação de impacte ambiental simples não basta para avaliar o somatório dos impactes dos dois aeroportos (Lisboa + Montijo), nem do tráfego terrestre associado.
A palavra basta não faz sentido aqui. Estamos a tratar da construção de um aeroporto e o funcionamento conjunto dos aeroportos não tem a ver com a in- fraestrutura em si, mas com as opções que as companhias aéreas virão a fazer.
Consegue dizer uma data aproximada de quando o primeiro passageiro irá aterrar no Montijo, tendo em conta a situação em que já se encontra o Aeroporto Humberto Delgado?
Não consigo de forma alguma. Não tenho a mais pequena noção da extensão temporal das obras. Parece-me evidente que o comum dos portugueses já percebeu que tem de haver rapidamente uma outra infraestrutura aeroportuária que possa servir de alternativa ao Aeroporto Humberto Delgado, mas não somos nós neste ministério que temos a responsabilidade de promoção desse empreendimento.
Exortou os consumidores a terem uma potência de eletricidade mais baixa em casa. Não houve aqui um vender gato por lebre no OE?
Este ano há todas as condições para que a eletricidade venha a baixar. E da forma mais justa. Com a redução a ser suportada por quem polui. Quantos de nós sabemos qual é a potência que temos contratada em casa? Muitos de nós não sabemos. Não posso deixar de alertar as pessoas para isso mesmo. O que sei é que a potência sugerida pelo comercializador é superior a 6 kVA. As pessoas já se interrogaram sobre isso?
A potência de 3,45 kVA é insuficiente para muita gente.
É uma potência da qual usufruem 800 mil famílias em Portugal, cerca de 13% do mercado doméstico.
Que marca quer deixar da sua passagem por este ministério?
Quero deixar um ministério a funcionar melhor do que funcionava quando aqui cheguei, e deixar um caminho traçado pelo exemplo naquilo que é a vontade de valorizar o território e olhar para o capital natural como um bem inestimável e contribuir para uma economia circular. Não sou agnóstico em relação ao crescimento, acho que o país tem mesmo que crescer mas regenerando recursos. O mais difícil é mudar de uma economia linear para um modelo completamente diferente. Se conseguirmos ser neutros em carbono em 2050 vamos ter mais emprego e, sobretudo, mais qualificado; mais bem-estar e mais partilhado; e vamos ter mais riqueza e uma produção mais sustentável.
Já disse que o Porto é a sua casa. Em que medida sentiu a falta de Azeredo Lopes, um portuense, no Governo?
Só sei comentar isso do ponto de vista pessoal. Foi no Porto que o Zé Alberto e eu nos fizemos amigos. Sou profundamente amigo dele. Faz-me muita falta como colega. No dia em que sair este jornal estaremos a jantar juntos… no Porto. Infelizmente cozinhado por mim e não por ele, porque o Zé Alberto é um chefe como não conheço outro.
Investimentos de mil milhões de euros terão no próximo ano um leilão que lhes atribuirá um preço de venda da energia
O Governo vai lançar no próximo ano aquele que será o maior concurso na área da energia desde o Executivo de José Sócrates. O ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, revelou ao Expresso que está a ser preparado um leilão para garantir um preço de venda da eletricidade a dezenas de centrais para a produção de energia renovável. “Quero acreditar que na próxima primavera estaremos em condições de lançar esse leilão”, avançou o governante.
O leilão deverá cobrir cerca de 1500 megawatts (MW) de nova potência a partir de fontes limpas (que deverá implicar investimentos em torno dos mil milhões de euros, pelas contas do Expresso). Serão na sua maioria grandes centrais solares que já têm licenças, mas que ainda não saíram do papel, pelo facto de neste tipo de investimentos só ser possível obter financiamento tendo um contrato de longo prazo para a venda da energia.
O Governo está por isso a desenhar um leilão que permita aos promotores dessas centrais assegurar uma tarifa de venda da sua energia à rede elétrica por vários anos. Esse leilão terá um preço máximo. As empresas serão chamadas a oferecer tarifas abaixo desse teto e as que se apresentem como mais competitivas asseguram o contrato de longo prazo (o que viabilizará o financiamento e a construção das suas centrais). Um procedimento similar aos concursos eólicos que o Governo Sócrates realizou entre 2006 e 2008.
“Não tenho a mais pequena dúvida de que faríamos um mau negócio se os preços ficassem acima dos 45 euros por megawatt hora (MWh). Certamente que terão um cap (limite) acima do qual o Governo não vai estar interessado em contratar”, explica Matos Fernandes. A confirmar-se, será uma contratação favorável aos consumidores de eletricidade, já que os preços do Mercado Ibérico de Eletricidade (Mibel) têm estado acima dos 60 euros por MWh. Matos Fernandes lembra que no ano passado Espanha conseguiu, num leilão deste género, ter produtores de energia
solar dispostos a receber apenas 33 euros por MWh.
“Estes leilões reduzem o risco para os promotores e com isso há uma repercussão clara na diminuição do custo de capital e consequentemente uma redução de preço”, observa o ministro. O governante alerta ainda para a importância de Portugal pôr em operação nova capacidade renovável, para cumprir as metas de energia limpa assumidas perante Bruxelas. “Se não conseguirmos colocar esses 1500 MW a produzir vamos mesmo precisar de muita imaginação para cumprir as metas”, afirma Matos Fernandes. Até porque até 2030 serão encerradas as centrais a carvão do Pego e de Sines.
Lóbi? “Cada um faz o seu papel”
O Expresso questionou o ministro do Ambiente sobre se as empresas de energia são um lóbi poderoso. “Aquilo que eu espero é que cada um faça o seu papel. E nós certamente faremos, e bem, o nosso, que é o de apostar na transição energética e garantir a eletrificação do país. Isso não se consegue contra ninguém. Consegue-se estabelecendo mecanismos justos e robustos de regulação, que não pensem só no curto prazo, mas também no médio e longo prazo”, respondeu o governante.
Esta semana o Governo aprovou alterações à Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), para canalizar mais verbas para baixar os custos do sistema elétrico. Matos Fernandes disse ao Expresso que “não existe um prazo para acabar com a CESE”, que apenas será extinta quando acabar o défice tarifário.
A CESE terá também novidades em 2019. Os produtores de energias limpas passam a pagar a contribuição e as centrais da Tejo Energia e Turbogás também. Mas manter-se-á uma isenção para unidades de produção renovável até 20 MW (mas um mesmo grupo económico não poderá ter mais de 60 MW isentos da CESE).
Novo nome para a ERSE…
Na entrevista, o ministro do Ambiente revelou ainda que o Governo já tem um novo nome para a administração do regulador da energia, depois do chumbo do deputado Carlos Pereira. “Há um convite que já foi feito. É um técnico do sector. O nome não será divulgado enquanto a Cresap [comissão de recrutamento para a Administração Pública] não apreciar esse nome”, indicou João Pedro Matos Fernandes.
… e €2 milhões para a indústria
Outra novidade que o ministro deixou na entrevista ao Expresso é que o Governo decidiu criar um mecanismo para subsidiar os consumidores intensivos de energia elétrica (grandes indústrias) com 2 milhões de euros no próximo ano.
A verba virá do Fundo Ambiental e deverá beneficiar 26 empresas, que, segundo Matos Fernandes, “estão neste momento numa posição de fragilidade na sua competitividade”, devido à escalada do preço da energia elétrica na Península Ibérica.
Confrontado com o limitado alcance da redução do IVA na eletricidade, Matos Fernandes respondeu que não foi o Governo que teve “um particular entusiasmo” com a descida do IVA. E desvalorizou essa medida. “Não é a apostar no IVA que estamos à espera que haja uma redução [da fatura elétrica das famílias], é transferindo dinheiro para o défice tarifário, para o sobrecusto das renováveis, que temos a expectativa de que o custo da eletricidade venha a ser menor”, afirmou, m.p.
Como é que o Governo encara a desistência do consórcio Galp/Eni?
Acho uma pena o país não conhecer os ativos que tem e não procurar ver se temos petróleo.
Vão acionar a caução?
A razão que levou o proponente a desistir só a ele diz respeito, tendo sido unilateral não há aqui direito a qualquer indemnização. Na minha opinião não há qualquer direito em devolver a caução. Os serviços administrativos estão a estudar os pormenores do contrato para ver se é ou não devido. Não há pressa em tomar uma decisão.
O ministro do Ambiente é a favor da exploração de petróleo ao largo na nossa costa?
Há uma irracionalidade que é o facto de Portugal importar 3/4 da energia que consome. Ter a neutralidade carbónica em 2050 significa estarmos a emitir 10 toneladas de C02, que é a capacidade de sumidouro que temos na nossa floresta. Hoje consumimos 60 milhões de barris de petróleo por ano e devemos chegar a essa data a consumir 16 milhões de barris de acordo com o roteiro da neutralidade carbónica. É um esforço enorme. É matéria muito fraturante na sociedade e por isso não avançará qualquer outro pro- jeto sem se fazer uma discussão mais madura do que a que foi feita.
Acredita que esta discussão deixará alguma vez de ser fraturante?
O que eu sei é que essa discussão nunca foi feita e tem de ser feita, antes de se andar a pensar no local A ou B. Não penso que caiba nesta legislatura fazê-la.
EmboraoGovernofosseafavor,há algum alívio pela desistência?
Não concordo com essa conclusão.
Usou o argumento de que se tivéssemos petróleo reduzíamos as importações. Mas isto entra em con- traciclo com o que devemos fazer, que é deixar os combustíveis fósseis debaixo de terra tendo em conta as alterações climáticas.
Para sermos neutros em carbono o que temos de fazer é usar pouco petróleo. Mas pode ter a certeza de que estes 1500 milhões de que vamos precisar até 2050 vão aparecer no mercado português. Temos é de nos concentrar em produzir a maior quantidade possível de energia a partir de renováveis, em eletrificar a nossa mobilidade e em usar o menos possível petróleo.
Habitação
“Não existem soluções milagrosas”
Fernando Medina criticou a lentidão do processo legislativo sobre a habitação. Concorda com as críticas?
Na habitação social, o Governo agiu e tem 40 milhões de euros no próximo OE para combater a carência habitacional para 26 mil famílias [programa lQDireito]. Mas há um conjunto vasto de famílias que através do mercado não conseguem encontrar habitação. Aí é mesmo preciso andar depressa e acho normal que o presidente da Câmara de Lisboa, que se confronta com estes problemas, queira uma solução rápida. Mas da maneira que está o mercado dificilmente haverá soluções milagrosas, isto é, que produzam efeitos num espaço de tempo muito rápido.
Isso não defrauda as expectativas das pessoas?
O crescimento do problema é o reverso do sucesso da política económica do Governo. Agora, é fundamental criar condições para que os contratos de arrendamento sejam de longa duração. Isso consegue-se reduzindo as taxas liberatórias de IRS pagas pelos senhorios em contratos de maior duração. Depois, é preciso concretizar uma oferta no mercado de arrendamento acessível. O Estado está a fazer o seu papel como promotor público, mas a dimensão do problema não permite que seja só o Estado a resolvê-lo. Isentar de imposto os rendimentos obtidos com o arrendamento acessível é uma decisão da Assembleia da República. Existe o compromisso dos partidos de tudo fazer para que a 1 de janeiro o pacote de habitação esteja aprovado.
Helena Roseta demitiu-se da liderança do grupo de trabalho que trata deste assunto. A celeridade não está a existir.
Esta é uma decisão do Parlamento que tem de reunir consenso. O PCP opõe-se à redução de impostos por parte dos proprietários. Eu não concordo com o PCP. Acho que tem de haver estabilidade para que os senhorios coloquem as casas no mercado para arrendamento acessível ou contratos de maior duração. As decisões que estavam a ser tomadas não permitiam o equilíbrio entre senhorios e inquilinos, com pendor para os inquilinos. Também me parece claro que o mercado funcionou mal antes da lei Cristas eram 900 mil os contratos de arrendamento e passou-se há pouco tempo para os 700 mil. Portanto, ninguém confie que sem política pública conseguimos resolver este problema.
A suspensão de novos registos de alojamento local resolve algum problema?
O Governo não participou nessa decisão, mas concordo com ela. É legítima a expectativa de os proprietários obterem o maior rendimento possível. Agora, se essa opção causa um constrangimento grave, parece- -me evidente que tem de haver uma política pública que limite esses fogos. No dia em que um bairro histórico de Lisboa ou Porto for apenas ocupado por alojamento local, estamos a contribuir negativamente para o desenvolvimento do turismo.
Resíduos “Metas de 2020 só em 2022”
Portugal não vai cumprir as metas de reciclagem e de deposição em aterro em 2020. Temos a UE em cima. A que se devem os atrasos?
Durante dois anos estivemos inibidos de fazer os investimentos necessários para a recolha seletiva e também para os bior- resíduos, em função de uma queixa que foi apresentada em Bruxelas que nos manietou. Esses investimentos já estão em curso. Só nos podemos comprometer em cumprir as metas de 2020 em 2022. Mas não vamos estar muito longe da meta de reciclagem de 50% em 2020, já que em 2017 chegámos aos 38%.
Mas esses números são questionados pela própria UE, e em 2025 as metas serão mais ambiciosas: 55% do total de resíduos urbanos têm de ser reciclados, quando atualmente andam nos 22%.
A forma como fazemos a contabilização é correta. É verdade que a meta vai ser mais ambiciosa. Portugal tem absoluta consciência da extrema dificuldade em chegar a 2030 apenas com 10% dos resíduos em aterro e fomos dos mais honestos a negociar em Bruxelas. Quero acreditar que no próximo quadro comunitário vamos ser dos que vão ter maiores ajudas para poder cumprir a meta.
O plano (PERSU) que vai ser apresentado para a semana, vai corrigir estes atrasos?
Temos de esperar pela próxima semana.
O Programa da Orla Costeira (POC) Caminha-Espinho levantou grande polémica por causa das demolições previstas. Até que ponto está disposto a ceder aos autarcas?
No que diz respeito à necessidade de relocalizar quatro aglomerados que estão em zona crítica e impedidos de ser protegidos, não há cedência nenhuma, nem ela foi solicitada. Estamos a falar de proteger vidas e bens. Artificializar a costa não é solução, com as consequências que isso tem a sotamar, destruindo praias. As casas estão numa zona onde o recuo média anual é de sete metros a cada ano. Tratar bem as pessoas é relocalizar aquelas casas e certamente vamos fazê-lo em conjunto com as autarquias. Tal como na Ria Formosa, quando se trata de primeiras habitações, legais ou ilegais, as famílias serão realojadas.
Na Ria Formosa pouco foi abaixo. E tirou a palavra aos técnicos da APA e cedeu perante os autarcas.
Foram retiradas 60 habitações. Estas coisas não se fazem contra ninguém. Fazem-se tanto quanto possível em conjunto com as autarquias, porque são elas os atores-chave para fazer o realojamento.
V W,
Paralelamente, continuamos a ter construção em cima de dunas. Não faltam exemplos no Algarve ou em Grândola…
É verdade. No caso de Tróia, um plano mal feito que vem do passado permitiu uma frente com oito lotes. Mas sendo legal, é impensável que ali se possa construir e por isso este Governo aprovou medidas preventivas para inibir a construção naquele espaço.
A conservação da natureza continua a ser o parente pobre deste Ministério? A nova lei orgânica vem mudar alguma coisa?
Essa afirmação é um lugar comum. Temos 21 milhões de euros só para os projetos-piloto que estão em concretização ou em vias de ser concretizados. De 121 vigilantes da natureza passámos para 197.0 corpo nacional de vigilantes florestais não tinha ninguém e vai ter 140 pessoas.
E com base no número de efetivos que mede o bom funcionamento da conservação da natureza e da biodiversidade?
A gestão de proximidade é da maior importância e se
pensarmos na necessidade de tornar estes espaços mais resistentes ao fogo e que manusear ecossistemas é mais importante do que abrir aceiros, é isso que estamos a fazer. Estamos a criar mosaicos na paisagem na Serra da Malcata e a plantar carvalhais na serra de São Mamede. A tradição dentro do ICNF era fazerem estudos que nunca eram transformados em instrumentos de gestão. Isso não faz hoje sentido. Em 2019 a remuneração da conservação e valorização de ecossistemas vai mesmo avançar.
E acha que 2 milhões de euros chegam?
Dois milhões é um excelente começo. Para haver remuneração dos serviços dos ecossistemas tem que haver cadastro e escolhemos áreas onde existe cadastro no Tejo Internacional, na Serra do Açor, em Monchique e Silves. No caso do Tejo Internacional, estamos a falar na substituição de eucalipto por espécies autóctones em 10 mil hectares e compensar os proprietários dos terrenos pela perda de rendimento.
A maior parte das verbas do Fundo Ambiental destinada ao ICNF nem sequer vai para a conservação da Natureza.
Isso não é verdade. Antes de haver Fundo Ambiental, havia um fundo para a conservação da natureza e biodiversidade que tinha de receitas 700 mil euros. Mantendo-se a natureza sinalagmática das taxas que são cobradas, era esse o valor que devia ser aplicado na conservação da natureza. Ora, este ano são mais de 9 milhões de euros. Recuperar habitats não é só recuperar floresta, mas também mosaicos de paisagem.
Transportes
“Funcionam melhor do que se pensa”
A redução tarifária nos transportes entra mesmo em vigor a 1 de abril? E em todo o país?
É destinada a todo o território português. É gerida pelas autoridades de transportes e, pelo menos, 60% do dinheiro transferido é obrigatoriamente para a redução do tarifário. Até 40% pode ir para a melhoria da oferta, extensão de redes, etc. É a 1 de abril porque tem de haver uma negociação com todos os operadores e quem a faz são as autoridades metropolitanas. Neste trabalho conjunto com as áreas metropolitanas está presente o objetivo de €30 para o passe da cidade central e €40 para a coroa metropolitana, mas essa é claramente uma decisão de cada área metropolitana ou de cada comunidade intermunicipal, bem como a de dar gratuitidade aos menores de 12 anos, aos mais idosos ou criar ou não passes-família. Nessas decisões o Governo não participa. Agora, o que é para nós insuportável é perceber que há famílias com três pessoas e com três passes para quem é mais barato andar de carro que de transporte coletivo.
Como é que garante a maior utilização dos transportes co- letivos sem cuidar do lado da oferta? A perceção que existe da qualidade dos transportes é negativa, apesar de o senhor di- zer que o metro está melhor…
O que eu disse é que o metro funciona melhor hoje do que há dois anos e tem um caminho de evolução que não tem regresso. Há um ano havia 30 unidades paradas, hoje há 11 ou 12. A regularidade do metro está muito melhor. O caminho é pôr todas as unidades triplas a funcionar até ao final do ano. Foi lançado o concurso para aquisição de 14 unidades triplas e de reformulação do sistema de segurança e sinalização, que vem do tempo do fascismo. É um investimento de 137 milhões de euros e vai dar um contributo grande para que a operação seja muito melhor.
A perceção que existe de que os transportes públicos não funcionam bem não é verdadeira?
O que digo é que os transportes coletivos funcionam melhor do que aquilo que o comum das pessoas pensa. Eu sou utilizador de transportes coletivos. Venho muitas vezes de elétrico ou de metro, já me confrontei com supressões e há vários meses que isso não me acontece.
A redução do preço vai aumentar a utilização mesmo que a oferta no imediato não seja melhor?
O crescimento da oferta nos transportes coletivos nas quatro empresas que dependem de nós foi de seis por cento e esse é um valor superior ao crescimento da procura, sendo que quando no governo anterior se perderam 100 milhões de passageiros no transporte público, agora, só em 2017, ganhámos 23 milhões. Estamos ainda a lançar o concurso de 10 novos navios para a Transtejo e dramaticamente a confrontar-nos com a inexistência de navios no mercado para poderem entrar já.
NÚMEROS
1500 megawatts é a potência de novas centrais já licenciadas mas que ainda não saíram do papel, 45 euros por megawatt/hora é o preço máximo que
o Governo quer conceder no leilão a realizar no próximo ano
“É uma pena o país não ver se tem petróleo”.