O processo de agregação de entidades gestoras para a gestão da água em baixa na região de Viseu chegou a ser apontado pela tutela como um caso exemplar para uma gestão mais eficiente e de maior escala. A nova empresa intermunicipal estava a ser arquitetada há mais de um ano, mas alguns dos municípios deitaram a toalha ao chão, em setembro último, inviabilizando o projeto.
Dos oito municípios envolvidos três desistiram: Mangualde, Nelas e Penalva do Castelo. Estes municípios são, com Viseu, os utilizadores mais importantes das águas do Dão represadas em Fagilde. Outros três municípios já tinham formalizado os seus processos deliberativos – Viseu, Sátão e Vouzela – o que ainda assim não é suficiente para tornar o projeto de agregação “economicamente racional ou viável”, argumenta o município de Viseu, liderado por Almeida Henriques, numa tomada de posição oficial tornada pública no final de setembro. E por essa razão o processo de constituição da Águas de Viseu, enquanto empresa intermunicipal, não continuará.
Há um ano, o problema de escassez de água levou a que as populações da região tivessem que ser abastecidas com camiões cisterna, o que deu ainda mais robustez à solução que estava a ser gizada. Essa solução, de gestão conjunta da água em baixa, iria permitir que a região tivesse acesso a uma fatia importante
dos fundos comunitários do PO SEUR [Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos], especificamente destinados a apoiar as agregações.
“Estava disponível uma verba em torno dos 16, 18 milhões para apoiar essa solução. Não vindo dali essa iniciativa encaminharemos essa verba seguramente para outras áreas do território”, garante ao jornal Água&Ambiente o Secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, sublinhando que esta é uma opção que é da responsabilidade municipal. Carlos Martins sublinha que não há alternativa a esta solução porque “não há financiamento nem disponibilidade no PO SEUR para outra solução que não seja a que está constante nos avisos”, A agregação era, assim, a única possibilidade para que a região tivesse acesso a mais fundos.
RESPOSTA À SECA MAS NAO SÓ
O Secretário de Estado do Ambiente lembra que esta solução se perfilava para a região, não só como resposta para o problema da seca, mas também como uma opção de gestão mais robusta. “Os municípios daquele território, importa dizer, têm mais de 20 milhões de obra a decorrer sobretudo na área do saneamento. Ora, se vamos ter ali mais 15 ou 16 novas ETAR [Estações de Tratamento de Águas Residuais Urbanas] vamos precisar
de mais competências, mais manutenção e mais engenheiros do ambiente para gerir aquelas instalações”, ilustra. Carlos Martins considera que tão relevante como avançar com os investimentos é geri-los bem. “Não interessa fazer obra se depois as infraestruturas não forem operadas correctamente cumprindo a sua função ambiental. Era isso que estávamos à espera de obter com essa solução mais integrada”, sublinha Carlos Martins, que confessa que tinha a convicção de que Viseu seria um dos primeiros sistemas desta política de escala supra municipal que a tutela está a incentivar.
“Os municípios da região de Viseu foram, em primeiro lugar, os mais ativos para criar uma solução de natureza intermunicipal. Desse ponto de vista levavam claramente dianteira a todos. Ainda por cima muito bem ancorados nos serviços municipalizados de Viseu que têm uma forte estrutura técnica face àquilo que é o contexto nacional. Com facilidade poderiam desenvolver um processo de empresa de natureza regional. Acreditámos muito nesse projeto”, vinca. O Secretário de Estado do Ambiente lembra que na sequência daquele período de seca foram mobilizados pelo Governo recursos técnicos do grupo Águas de Portugal (AdP) para ajudar a encontrar uma solução estruturante. A sugestão do grupo Águas de Portugal assentava em interligações de barragens, construção de uma nova barragem e ampliação da ETA (Estação de Tratamento de Água). A nova barragem iria garantir “mais encaixe em termos de volume e mais operacionalidade do ponto de vista das condições técnicas”, explica Carlos Martins. O apoio aos municípios foi dado graciosamente e os estudos técnicos e económicos, para suportar o modelo proposto, foram disponibilizados mesmo depois de as autarquias terem declarado que não estavam interessadas em fazer uma parceria com a AdP. Isto para o caso de quererem avançar para uma solução intermunicipal, o que também não chegou a acontecer.
MUNICÍPIO ÂNCORA DEFENDE SOLUÇÃO
O município de Viseu, que seria o município âncora do projeto, reconhece que a constituição da empresa intermunicipal seria a forma mais solidária e com menores custos para os consumidores. Sem esta solução, a prazo, os consumidores “incorrerão em aumentos tarifários superiores ao que teriam fruto da harmonização tarifária que a constituição da empresa intermunicipal implicaria”, alerta a Câmara Municipal de Viseu. E por isso que o município de Viseu assume que “não compreende a demarcação do processo, agora ocorrida, de alguns municípios, mas que democraticamente aceita, no respeito da legitimidade inequívoca de tais decisões”. Viseu e a região não querem deixar de pugnar por uma solução para o problema do armazenamento e produção de água que continua premente. Paralelamente ao processo que estava em curso, Viseu avançou para algumas soluções, nomeadamente a construção das ensecadeiras na Barragem de Fagilde, aumentando a capacidade de armazenamento em 1,5 milhões de metros cúbicos. Lançou também
os concursos para o reforço da ETA de Povolide, no valor de 1,7 milhões de euros, e iniciou o processo para os novos reservatórios do Viso, no valor de 3,5 milhões de euros. Para Viseu estes novos investimentos são urgentes e necessários, mas não suficientes, pelo que se reitera a necessidade, também constante do estudo da Águas de Portugal, da construção de uma nova Barragem em Fagilde, “As barragens são responsabilidade da Administração Central, mas Viseu e os demais municípios continuam disponíveis para contribuir para o processo, e recetivos à assinatura de um contrato programa que transfira a responsabilidade e os recursos para os municípios, para que possamos localmente lançar e realizar a obra”, apelam. Este investimento estruturante terá um custo que ultrapassará os 16 milhões de euros, mas a tutela garante que não há disponibilidade de financiamento fora do âmbito dos avisos do PO SEUR.
AUTARQUIAS REJEITAM PARCERIAS
Viseu rejeita qualquer parceria com a AdP, ou outra, que possa implicar “um aumento injustificado do preço da água” e manifesta vontade de consolidar o atual sistema baseado em Fagilde, onde detém 70 por cento com os municípios de Nelas, Magualde e Penalva. “Aguardamos com expetativa que o Governo possa, depois dos avisos de 2017, encontrar com os municípios de Viseu, Nelas, Mangualde e Penalva do
Castelo, soluções para a sustentabilidade do nosso sistema, estando o município disponível para, isoladamente ou em parceria com os demais municípios, participar ativamente no desenvolvimento das iniciativas e investimentos necessários”, assume. Para o consultor Pedro Serra, ao rejeitarem a ajuda do Estado via AdP, o que os municípios estão a dizer “é que querem mais dinheiro a fundo perdido atirado para cima do problema, em contravenção da Lei das Finanças Locais, o que não é nem razoável nem desejável, pois enviará um sinal errado aos municípios com problemas semelhantes, que são muitos: o de que basta pedir por boca para ser atendido, sem mais!”. Na óptica do especialista em recursos hídricos, os municípios da região deviam olhar para a solução que foi alcançada na região de Aveiro, através da
Águas da Região de Aveiro, uma parceria entre o Estado, representado pelo grupo AdP e as autarquias, que viabiliza a realização dos investimentos necessários à prestação do serviço de água e saneamento sem onerar os orçamentos das autarquias locais envolvidas. Pedro Serra está de acordo em que seja providenciada alguma forma de ajuda aos municípios desde que haja um “compromisso verificável” de que estão disponíveis para suportar o défice tarifário com as suas receitas próprias e garantem uma adequada gestão dos ativos que assegure a sua durabilidade e a qualidade do serviço”. O quadro legal oferece aos municípios uma panóplia de soluções e uma autonomia de decisão que lhes permite um amplo leque de escolhas, salvo uma, avisa Pedro Serra: não prestarem aos seus munícipes um serviço de água e saneamento com a continuidade e qualidade devidas, nos termos da lei. “Quando isso acontece, como foi o caso no verão de 2017, o município está a violar a lei ao privar os cidadãos de um serviço essencial que é um seu direito fundamental; se em 2017 ainda pode ser alegado o factor surpresa, já o mesmo não poderá dizer-se se a situação se repetir”, alerta. “Devemos esperar que se se repetir a situação de carência de água em Fagilde, como em 2017, o Estado não venha de novo salvar os incumpridores a custo zero para estes, pois terá então de se concluir que o crime compensa”, remata.
ANA SANTIAGO
SISTEMA TEM QUE SER BEM DIMENSIONADO E REDUNDANTE
AEPSA ALERTA PARA NECESSIDADE URGENTE DE AVANÇAR COM INVESTIMENTOS
O presidente da AEPSA (Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente), Eduardo Marques, defende que é prioritário proceder aos investimentos necessários na região de Viseu, no mais curto espaço de tempo possível, para que a situação de escassez hídrica no sistema, ocorrida em 2017, não volte a acontecer. “O sistema tem de ser convenientemente dimensionado e construído, preferencialmente de forma redundante, para satisfazer as necessidades básicas de abastecimento de água às populações abrangidas, mesmo em situações de seca extrema, como a que vivemos no ano transato, situações cada vez mais prováveis devido às inquestionáveis alterações climáticas”, sublinha Eduardo Marques ao jornal Água&Ambiente. Para a AEPSA é impensável poder ter futuramente regiões em Portugal em situação de racionamento do fornecimento de água, como ocorre em muitos lugares do planeta.
“Para que tal não nos atinja eventualmente no futuro próximo, é necessário estudar o abastecimento em cenários pessimistas de seca e implementar atempadamente as imprescindíveis soluções técnicas e respetivos investimentos”, sugere Eduardo Marques,
A AEPSA compreende que os municípios não queiram uma solução de agregação em parceria com as Águas de Portugal, solução que, sublinha, não tem em conta a concorrência. “Esses municípios bem sabem que nesse modelo de parceria perdem o controlo da gestão dos serviços aos diferentes níveis, nomeadamente na fixação das tarifas, visto que este tipo de Parcerias Público-Públicas têm como princípio de fixação das tarifas o modelo designado como ‘cost-plus’, isto é, a tarifa terá que cobrir todos os custos, independentemente do nível de eficiência atingido, tendo ainda de garantir a remuneração acionista pré-fixada contratualmente, o que corresponde a transferir todo o risco operacional para os utilizadores, de acordo com o modelo usado atualmente pela AdP quer em alta quer em baixa”, esclarece.
CONCESSÕES COMO SOLUÇÃO
Eduardo Marques lembra que as empresas concessionárias do setor, que já investiram nos municípios onde operam mais de mil milhões de euros na necessária infraestruturação dos sistemas, têm a capacidade de financiamento para alocar no tempo útil, a que a situação obriga, as verbas para a construção das infraestruturas necessárias, e, assim, colocar de lado de forma definitiva o espectro da escassez hídrica na região.
“Defendo, inequivocamente, que a solução que melhor e de forma mais célere resolverá o grave problema que subsiste na região de Viseu, será a concessão dos sistemas – solução que vai à concorrência -, individualmente ou em agregação, se os municípios assim o entenderem”, propõe. O presidente da AEPSA defende ainda que a solução de concessão garante níveis de eficiência e de qualidade de serviço acrescidos, com tarifas e mecanismos da sua atualização perfeitamente conhecidos ao longo do período da concessão, já que são estabelecidas de forma rigorosa no contrato, cabendo ao concessionário os riscos operacionais.