Dois terços do território estão em seca severa ou extrema. Não caiu pinga de água de 1 a 12 de outubro
Dois terços do país em seca severa ou extrema
Há aldeias onde a água só chega em camiões-cisterna e 29 albufeiras têm disponibilidades inferiores a 40% da sua capacidade, na maioria a sul
Nos primeiros 12 dias de outubro não caiu uma pinga de água em todo o território continental e até quarta-feira passada choveu menos 40% do que o valor médio mensal para o primeiro mês de outono. Estes são os dados mais recentes do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e revelam um agravamento do cenário de seca que se arrasta com oscilações nos últimos três anos. Enquanto que em finais de setembro 36% do país registava índices de seca severa ou extrema, a 15 de outubro a área atingida quase duplicou, passando para 79% do território (ver mapa). O IPMA ainda está analisar os reflexos da chuva que caiu entre 14 e 19 de outubro no litoral Centro e Norte, e que permitiu aumentar os valores de água no solo e desagravar a situação de seca no Noroeste do país.
Contudo, nas regiões de Vale do Tejo, Alentejo e Algarve a percentagem de água no solo continuava inferior a 20% a 23 de outubro e nalguns locais tinha mesmo chegado ao “ponto de emurchecimento permanente”, ou seja, a uma situação em que a vegetação não consegue captar qualquer humidade.
A situação chegou a tal ponto que muitos furos de captação de água para consumo humano secaram, levando a que pelo menos uma dúzia de povoações e aldeias estejam a ser abastecidas por autotanques nos montes alentejanos de concelhos integrados nos sistemas multi- municipais do grupo Águas de Portugal (AdP). É o que acontece em Odemira (Relíquias e Luzianes), Ourique (Santa Luzia e Aldeia de Palheiros), Castro Verde (São Marcos da Ataboeira), Mértola (Alçaria Ruiva, Espírito Santo, Penedos, São João dos Caldeireiros e Corte do Gafo de Cima), Gavião (Belver) e Niza (Amieira do Tejo), afetando cerca de 2800 pessoas, indica a AdP. Esta entidade tutelada pelo Ministério do Ambiente lembra que as localidades do sul do Alentejo “estão localizadas numa zona muito pobre em água, agravada com uma seca que se prolonga há seis anos”. E, adianta, “para resolver definitivamente este problema”, a empresa Águas Públicas do Alentejo “tem em curso empreitadas de construção de adutoras de água” que devem estar concluídas em meados de 2020.
Também no nordeste algarvio, no concelho de Castro Marim, há 30 localidades onde a água da rede pública municipal não chega às povoações porque os furos secaram. Porém, a empresa Águas do Algarve garante que há água suficiente para consumo humano nas barragens e nos aquíferos algarvios “até ao final do ano”. Das 59 albufeiras monitorizadas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), 29 tinham disponibilidades inferiores a 40% do volume total a 18 de outubro, entre as quais Ode- louca, Beliche e Odeleite, essenciais para o abastecimento do Algarve.
O Alentejo e o Algarve são duas das regiões que serão mais afetadas por secas intensas e prolongadas no futuro. O Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas do Algarve aponta para uma redução de 25 a 30 por cento na precipitação na região e para quebras de 83 por cento nas reservas hídricas algarvias até final do século. Para que a região se adapte e se torne mais resiliente, o plano propõe, entre várias outras medidas, que se aposte em plantas autóctones e em culturas agrícolas menos sorvedouras de água, assim como no recurso a dessalinização de água do
mar. “Ao longo do século as barragens vão deixar de ser eficazes e é preciso encontrar alternativas”, sublinha Luís Dias, coordenador do plano de adaptação, elaborado por investigadores das universidades de Lisboa e do Algarve.
Alentejo sem plano
As culturas mais exóticas têm ganhado terreno no Algarve e só os pomares de abacate (grandes consumidores de água) quase quintuplicaram de área entre 2007 e 2018. A construção de uma central de dessalinização não passa de uma ideia que ainda vai ser estudada.
No Alentejo, o plano regional de adaptação às alterações climáticas está por fazer. Apesar de a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional ter obtido luz verde do fundo europeu POSEUR para o pro- jeto, a Direção-Geral do Orçamento não deu autorização para que a comparticipação nacional inicial fosse desbloqueada atempadamente e o projeto corre o risco de ser cancelado. O ministro do Ambiente “não” comenta esta situação. Quanto à situação de seca que o país vive, João Matos Fernandes está “naturalmente preocupado”: “É necessária uma extrema parcimónia no uso da água, não só nas nossas casas mas também na agricultura e na indústria.” Segundo o governante, “é preciso aprender a viver usando menos água e reutilizando-a quando o seu uso final o permitir”, e “avaliar se os usos de certas atividades agrícolas, grandes consumidoras de água, se podem manter num horizonte temporal em que a água se tornará mais escassa e valiosa”.
Num relatório recente, a organização ambientalista ANF/ WWF alertou para a necessidade de as autoridades deixarem de financiar novos regadios em zonas de escassez de água e para preservarem ecossistemas aquáticos saudáveis, já que Portugal “consome mais água do que deve”.
RADIOGRAFIA DA SECA A 15 DE OUTUBRO
MEDIDAS TOMADAS DESDE 2017
Plano de Prevenção, Monitorização e Contingência para situações de seca
Campanhas de sensibilização para poupança nos consumos urbanos
Restrições no licenciamento de fu ros para captação de água subterrânea e esforço de fiscalização de captações ilegais em albufeiras
Remoção de sedimentos e impeza de oito albufeiras e projetos de aumento do armazenamento em três
Reutilização de águas residuais tratadas para rega agrícola. Em experimentação numa ETARde Beja para uso gotaagota num romãzeiral