DN.pt O especialista Rui Cunha Marques afirmou hoje que as obras atualmente planeadas no setor da água ainda não têm em conta as exigências das alterações climáticas e defendeu a necessidade de adaptação às exigências das novas condições. “Continuamos a estimar as nossas infraestruturas como estimávamos há 30, 40 anos atrás e a realidade mudou e temos de adaptar-nos”, disse o professor do Instituto Superior Técnico (IST), referindo-se a fenómenos que têm impactos financeiros e na vida das pessoas “muito significativos”. Rui Cunha Marques falava aos jornalistas após a apresentação do estudo “Análise do Desempenho dos Operadores Privados e Públicos no Setor da Água em Portugal”, que coordenou, no seguimento de um pedido da Associação das Empresas Portuguesas para o Setor do Ambiente (AEPSA) ao IST. Apontou um conjunto de desafios que se colocam ao setor da água, como aquele relacionado com o novo paradigma associado às alterações climáticas, com o aumento das secas e da sua intensidade e das inundações. Falou no exemplo das inundações em Albufeira, no final de 2015, caso em que, “se eventualmente as infraestruturas das águas pluviais tivessem sido dimensionadas tendo em conta que a severidade da pluviosidade pode ser maior do que era no passado, não teria ocorrido”. O especialista referiu que alguns países, como a Austrália ou alguns estados dos EUA, já estão a contabilizar o impacto da maior severidade climática. “Como professor de uma escola de engenharia [posso dizer que], ainda não ensinamos tendo em conta essa nova realidade”, acrescentou. Outros dos desafios futuros para o setor da distribuição da água e do tratamento de águas residuais, que tem operadores públicos e privados (estes a abranger cerca de 20% da população), é dar as condições para que aqueles dois modelos possam atuar da mesma forma. Em Portugal, “temos uma Administração Pública muito rígida e isso faz com que os modelos públicos tenham pouca capacidade de reagir”, ou seja pouca flexibilidade e “este serviço está muito dependente do tempo de coisas que acontecem”, segundo Rui Cunha Marques. “A gestão do Estado não segue as regras da privada que se baseia em flexibilidade, incentivos, objetivos e governança”, especificou. O facto de os serviços ainda não serem sustentáveis do ponto de vista financeiro foi outra questão apontada. “Ainda não pagamos o real serviço que utilizamos, quer dizer, pagamos via contribuinte e não via utilizador”, referiu Rui Cunha Marques, acrescentando que “devia ser pago o real custo [do fornecimento de água], podendo ser subsidiado” para os casos que o justificassem. Também apontou desafios associados ao facto de o setor “ser tradicionalmente muito politizado” e ao longo do tempo ter “sido penalizado pelas várias interferências sucessivas, sem uma perspetiva de longo-prazo e holística pelos vários governos”. Para o especialista, isso implica que, “muitas vezes, os serviços não têm sido geridos do ponto de vista técnico, que inclui uma vertente financeira social e ambiental, da forma mais adequada”. Cabe aos governos definir as políticas públicas para o setor, referiu, mas não cabe aos governos fazer a gestão do dia-a-dia da área porque a gestão é sobretudo de natureza técnica e envolve investimentos de longo-prazo “não compatíveis com ciclos eleitorais de quatro anos ou oito anos”. Falou igualmente do tratamento “atípico” entre as várias entidades do setor, e defendeu que “uma entidade privada tem mais exigências, sem mais benefícios, do que têm as entidades públicas [e estas] nem todas são iguais”.