Público Comissão Europeia poderá obrigar Espanha a avaliar impacto transfronteiriço do aterro nuclear de Almaraz Não é a primeira vez que as relações entre Portugal e Espanha azedam por causa da tentativa espanhola de enterrar os seus resíduos nucleares junto à fronteira. Há 30 anos, Portugal também se queixou em Bruxelas depois de Espanha ter aprovado a criação de um cemitério nuclear em Aldeadávila de La Ribera, no Douro Internacional, sem consultar Lisboa, à semelhança do que se passou agora com a luz verde dada por Madrid à criação de um depósito nuclear em Almaraz, a 100 quilómetros da fronteira, cuja construção é, ao que tudo indica, um primeiro passo para prolongar por mais 20 anos a vida daquela central nuclear.”O Governo espanhol da altura tentou disfarçar o projecto dizendo que se tratava de um laboratório de investigação, quando o que estava em causa era um depósito de resíduos de altíssima radioactividade, que ainda hoje estão nas caves das centrais nucleares”, recorda Carlos Pimenta, o secretário de Estado do Ambiente de Cavaco Silva que então protagonizou o braço-de-ferro com Espanha.Além da queixa a Bruxelas, o governante mobilizou a opinião pública para os riscos de contaminação radioactiva em todo o Douro. “O Governo de Espanha não tinha tido uma atitude transparente nem sequer com a sua própria população e autoridades autonómicas. Quando eu partilhei a informação que nos chegou via Bruxelas, todos se mexeram e criaram uma frente de oposição ao projecto, mesmo dentro de Espanha.”Na altura, o projecto espanhol, segundo Carlos Pimenta, esbarrou na combinação da acção diplomática forte do Governo português com as pressões de Bruxelas e da opinião pública dos dois lados da fronteira. O caso motivou dezenas de manifestações e chegou a ameaçar as relações económicas entre os dois países.Agora, como então, Pimenta aconselha Portugal a “usar a arma da transparência, para mobilizar a opinião pública contra o avanço daquele armazém de resíduos nucleares”.O especialista em energia nuclear acredita que a Comissão Europeia tem poder para obrigar Espanha a avaliar o impacto transfronteiriço do aterro nuclear. “Qualquer análise séria concluirá que há riscos que não são aceitáveis, como este de construir um depósito nuclear em cima do Tejo.” “Tal como há 30 anos, houve aqui uma tentativa óbvia de sonegar informação às autoridades portuguesas e, a partir daí, houve uma violação do direito europeu”, sustenta, para considerar inaceitável que Espanha insista em resolver o seu problema de resíduos nucleares junto à fronteira, “quando tem um Hinterland tão grande”.Pimenta recorda ainda que, também em 1986, foi forçado a equacionar a suspensão do fornecimento de água à Grande Lisboa, porque tinha havido um acidente em Almaraz. “Houve contaminação radioactiva das águas do Tejo de que só nos apercebemos porque as nossas estações de medição indicavam níveis crescentes de radioactividade. Espanha sonegou essa informação.”Espanha lançou o estudo de impacto ambiental deste depósito em Outubro de 2015, sem informar oGoverno em que Moreira da Silva tinha a pasta do Ambiente. Mas o actual ministro, Matos Fernandes, também é acusado de ter acordado tarde para o assunto. A insistência no encontro com a congénere espanhola (marcado para 12 de Janeiro) surgiu meses depois de ter sido instado pelas esquerda parlamentar a exigir a Madrid o fecho da central. “O ministro andou distraído num assunto de enorme gravidade”, acusa António Eloy, do Movimento Antinuclear Ibérico, para quem o Governo, que ignorou os pedidos dos ambientalistas para discutir o assunto, “foi até agora completamente displicente”.No Verão, centenas de portugueses e espanhóis reivindicaram em Cáceres o encerramento de Almaraz. Com 35 anos e um largo historial de incidentes, a central devia ter fechado em 2010, mas viu renovada a sua licença de exploração até pouco depois de 2020. Detida pela Ibedrola, Endesa e pela Gas Natural, Almaraz é uma das 133 centrais europeias cujo prazo de validade expirou. O problema é que desm