Expresso Quem gere a água Este é o primeiro de seis artigos dedicados a esta temática que o Expresso vai publicar ao longo das próximas semanasTextos CARLA TOMÁS Ilustrações XOLITO Portugal deu um grande salto nas últimas duas décadas no sector do abastecimento de água e tratamento de águas residuais. Hoje, 98,2% da população pode beber água de boa qualidade, quando em 1990 apenas metade o fazia, indica o último relatório da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ER- SAR). A água canalizada chega a 95% das casas (eram 80% em 1990) e o saneamento de águas residuais chega a 78% (31% em 1990).Por “ter passado em poucos anos de uma situação inaceitável para uma situação de quase excelência, Portugal é visto como um caso de referência pela Comissão Europeia, pela OCDE e pelo Banco Europeu de Investimento”, salienta Jaime Melo Baptista, presidente da ERSAR. Para que este caminho fosse percorrido, “foi necessário aplicar uma política consistente e integrada para o sector”. De 1993 para cá “passou a existir uma visão que não existia até então”, acrescenta, lembrando que “ainda há um caminho a fazer para se chegar à excelência”. Depois de criada a empresa de capitais públicos Águas de Portugal (AdP), em 1993, e de reformulado o quadro institucional, surgiu a entidade reguladora, foram definidos novos modelos de gestão e apareceram os primeiros sistemas multimunicipais e novas áreas de negócio nos sistemas municipais.Metas em atraso Mas se no abastecimento de água já foram atingidas as metas, definidas pelos planos estratégicos (PEASSAR I e II), em relação ao saneamento de águas residuais ainda se está 12 pontos abaixo dos 90% ambicionados. E porquê? Uma das principais razões prende-se com o facto de “a evolução gigantesca ter acontecido a duas velocidades: uma para a ‘alta’ e outra para a ‘baixa'” (ver glossário), afirma o presidente da Associação das Empresas Portuguesas para o Sector do Ambiente (AEPSA). Segundo Diogo Faria de Oliveira, “os fundos comunitários foram praticamente todos canalizados para as infraestruturas em alta, com os investimentos nas concessões multimunicipais a ultrapassarem €5 mil milhões, quando para a baixa (com uma rede muito maior) foram menos de €3 mil milhões”. Esta disparidade tem uma razão: a grande dispersão de entidades que existe na ‘baixa’.O ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, tem a noção de que “cerca de 10% das pessoas ainda não têm acesso a saneamento e é necessário concluir esse ciclo de investimento”. Mas considera que “é necessário entrarmos num novo ciclo de gestão”. Ou seja, explica: “Temos de reestruturar o sector de forma a melhorar a sustentabilidade ambiental e económica e a assegurar uma maior eficiência dos recursos, para que não haja uma disparidade tarifária tão grande e de forma a incorporar todos os custos no preço final da água, e podermos capitalizar os fundos do próximo quadro comunitário”.Palavra de ordem: reestruturarAtualmente existem perto de 500 entidades a gerir este sector. Dos 21 sistemas multimunicipais (água e saneamento) que funcionam em alta, 19 são geridos por empresas do grupo AdP e abrangem 88% da população servida. Mas na ‘baixa’, há uma multiplicidade de empresas e de parcerias municipais, intermunicipais, ou mistas (câmaras-Estado ou câ- maras-privados), serviços municipais ou ainda concessões a privados.Cerca de metade dos sistemas de abastecimento de água e 35% dos de saneamento estão nas mãos de pequenas entidades que lidam com menos de 10 mil habitantes, e que não têm dimensão nem escala para assegurar níveis adequados de qualidade de serviço. “Esta situação dificulta a gestão técnica e económica dos sistemas”, lê-se no último relatório da ERSAR.Por isso, o regulador e a maioria dos players concordam que é preciso reorganizar o sector. “É preciso alcançar a sustentabilidade económico-financei- ra, tendo em conta que grande parte dos operadores não consegue recuperar custos e que metade deles não sabe quanto custa o sistema”, afirma Melo Baptista, para quem isto “é inaceitável. O regulador teme que entre as consequências desta situação surja a necessidade de “os operadores irem buscar dinheiro ao orçamento municipal (que também pode não o ter) e tendam a baixar a qualidade do serviço”.Esta ideia é também sublinhada por Pedro Serra, ex-presidente da AdP: “Uma das consequências da não recuperação de custos é o subinvestimento na manutenção e substituição das infraestruturas em baixa, da responsabilidade dos municípios” E defende: “Para atacar o problema da baixa (tendo em conta as dívidas dos municípios e o défice tarifária) é preciso autoridade e apoio político”. Se isto não for concretizado a curto-médio prazo, Pedro Serra alerta para “as dificuldades que a AdP terá em recorrer à banca… a não ser que o Estado invista €500 milhões no reforço de capital da empresa”.Para evitar estes riscos, na opinião destes especialistas, é preciso pôr em prática as orientações que o regulador e os planos estratégicos têm defendido desde 2009 e avançar para a agregação dos sistemas regionais em alta e em baixa (verti