Público Online Com muitos interesses e armas em jogo, a guerra do lixo deixa de fora o que acontecerá depois de terminado o período de concessão em 2034 e a tutela do lixo voltar para as autarquias. A privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF), a sub-holding do grupo Águas de Portugal para o sector dos resíduos, está a semear uma guerra entre o Governo e os municípios. Para entendê-la, é preciso recuar ao princípio dos anos 1990. Nem todos estão no conflito com as mesmas armas, nem com os mesmos propósitos. O PÚBLICO passa em revista os principais contornos da polémica. Duas décadas de pazHá precisamente 20 anos, quando o lixo era sobretudo um problema e não tanto um negócio, os municípios de Lisboa, Loures, Amadora e Vila Franca de Xira sentaram-se à mesa com o Governo para dar o primeiro passo de uma nova era no sector. As autarquias tinham um plano concreto para lidar juntas com os seus resíduos sólidos urbanos. A administração central tinha o dinheiro.Assim nasceu, em 1994, a Valorsul, a sociedade que viria a transformar-se, duas décadas depois, na jóia da coroa e no ponto nevrálgico do polémico processo de privatização da EGF.A possibilidade de juntar Governo e autarquias na área dos resíduos e também do abastecimento e do saneamento já estava prevista desde 1993. Dois diplomas legais tinham aberto caminho à criação dos “sistemas multimunicipais”, que servissem pelo menos dois municípios e exigissem investimento do Estado, por razões de interesse nacional. O Estado entrava com a maioria do capital, através da EGF, e assegurava os investimentos para construir aterros e outras infra-estruturas. Os municípios também entravam como sócios e eram ao mesmo tempo os clientes das empresas criadas.Não foi fácil, porém, convencer as autarquias a ceder a sua tutela sobre os resíduos a uma empresa em que eram minoritárias. Muitos municípios uniram-se em associações e seguiram o seu caminho, sem dar a mão à EGF. E nem todos os noivados deram em casamento. Na região de Lisboa, Sintra, Cascais e Oeiras desistiram de uma solução a sete, e Lisboa, Loures, Amadora e Vila Franca de Xira avançaram sozinhos para a Valorsul. “Não foi uma negociação fácil, mas foi bem conseguida”, recorda Rui Godinho, ex-vereador na Câmara Municipal de Lisboa.Duas condições fizeram com que quase duas centenas de concelhos aderissem aos sistemas multimunicipais: a primeira foi a garantia legal de que as sociedades concessionárias seriam sempre públicas; a segunda foi uma série de contrapartidas negociadas com as autarquias, como obras, equipamentos e serviços de interesse para os municípios.A dificuldade com que tais acordos foram conseguidos explica em grande medida a reacção agora das autarquias, que vêem a privatização da EGF como um acto de traição do Governo. “Claramente, é uma posição de fractura”, afirma Jorge Botelho, presidente da Câmara Municipal de Tavira e da AMAL Comunidade Intermunicipal do Algarve.A presença de privados nos resíduos não é novidade. Nos sistemas municipais já há concessões. E na esfera dos sistemas multimunicipais há o caso da Braval, criada em 1996 para servir Braga, Vieira do Minho, Vila Verde, Póvoa de Lanhoso e Amares. Em 2000, os próprios municípios compraram os 51% da EGF. E em 2005, a Câmara de Braga privatizou parcialmente a Agere, a empresa municipal que detém 79% da Braval.A EGF permaneceu maioritária em 11 concessionárias de sistemas multimunicipais, controlando a gestão da maior parte dos resíduos urbanos no país (ver infografia). O sistema funcionou em relativa paz durante duas décadas. E o lixo, que era um problema, passou a dar lucro.Um estranho negócioAté que ponto os lucros do lixo são suficientes para atrair compradores à EGF é uma das grandes dúvidas da privatização. Durante os 20 anos que ainda durarão as concessões da EGF, os lucros da empresa em si pouco mais de cinco milhões de euros em 2012 não justificariam a compra senão por um preço muito abaixo dos 150 a 200 milhões de euros de que já se chegou a falar. Ir buscar mais dividendos às concessionárias que juntos geraram 15 milhões de resultado líquido em 2012 seria, por outro lado, um ponto de conflito adicional com os municípios.Alguns acreditam que o Governo está a tentar engordar o “dote” da noiva, através de outros mecanismos. Um deles é o aumento do “valor de contrapartida” que as empresas de tratamento de lixo recebem pelos materiais recicláveis. É um montante substancial cerca de 20% das receitas das empresas do grupo EGF que é pago pela Socied