Secretário-geral da ONU avisou que seria “imoral” e “suicida” não chegar a um acordo na Cimeira do Clima
A proposta portuguesa de “Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050” fez sucesso na Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP24), que terminou esta madrugada em Katowice, na Polónia. Assim foi por ser “um documento muito completo e credível”, garante o ministro do Ambiente e da Transição Energética. João Matos Fernandes foi sondado por representantes de outros países que não quis identificar para saber da disponibilidade de os especialistas portugueses lhes darem uma ajuda na criação de documentos semelhantes que impeçam a subida das temperaturas médias globais mais de 1,5 graus Celsius até ao fim do século XXI. O êxito do “ambicioso” documento português é confirmado por Pedro Martins Barata, um dos peritos que trabalhou na elaboração do roteiro, que foi contactado em Katowice por colegas de outros países que “querem conhecer o processo, as metas e como esperamos atingi-las”.
Neste roteiro, que está em consulta pública, o Governo compromete-se em reduzir em 83-85% as emissões de gases de efeito de estufa como o CO2 até 2050, passando de 68 megato- neladas emitidas em 2015 para 10 a 12 megatoneladas dentro de três décadas. Para aí chegar, prevê cortes nas emissões de todos os sectores de ativi- dade, da produção de energia aos transportes, passando pela agricultura, pela indústria ou pelos edifícios onde vivemos e trabalhamos, e em apostar na floresta para absorver as emissões que restarem.
Mas a ambição de Portugal (que representa apenas 0,18% das emissões globais de CO2) ou a da União Europeia, que no seu conjunto é o quarto maior emissor global e aposta em ser neutra em carbono em 2050, não chegam só por si para travar a escalada das alterações climáticas.
À hora a que fechou esta página do Expresso ainda não se sabia o resultado da COP24,
mas as negociações para aprovar o chamado “livro de regras” do Acordo de Paris que pretende regulamentar de forma transparente e ambiciosa os compromissos assumidos em 2015, indo ao encontro da urgência pedida pelos cientistas estavam “no bom caminho”, segundo o ministro Matos Fernandes, para quem “não agir não é uma opção”.
Em outubro, um relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) alertara o mundo para agir no prazo de 12 anos e reduzir as emissões globais de CO2 em 45% até 2030, ou será tarde demais para impedir que os termómetros subam mais de 1,5 graus. Porém, os EUA, a Rússia, a Arábia Saudita e o Kuwait não aceitaram a urgência pedida pelo IPCC e impuseram a sua força de bloqueio. Um “insulto” à comunidade científica, criticou Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA e Prémio Nobel da Paz 2017.
Anfitriã é “fóssil colossal”
Nas últimas 48 horas, a Polónia, anfitriã desta cimeira, reforçou esforços para ver o “livro de regras” aprovado. Mas nos corredores da Cimeira do Clima temia-se “um regulamento de vale tudo”. A realização desta COP num país cuja produção de eletricidade assenta 80% no carvão e cujo Governo disse não desistir da utilização deste combustível fóssil, fez temer o pior. E por isso as organizações não-governamentais do Ambiente deram este ano o prémio negativo “Fóssil Colossal” à Polónia. “As organizações não-governamentais alertam que o mundo tem de passar da urgência à emergência”, sublinha o ambientalista Francisco Ferreira.
“A liderança desta COP foi frouxa”, considera o geofísico, Filipe Duarte Santos, que lembra que no ar da cidade industrial polaca paira o cheiro a carvão das minas da região. “Os cenários que se projetam para o futuro são muito maus”, augura o presidente do Conselho Nacional para o Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, lembrando as projeções de subida média do nível do mar e o acentuar de fenómenos extremos como secas, ondas calor ou intempéries. O cientista teme que as potência petrolíferas, como os EUA, apostem em “soluções de geoengenharia que nos metem em muitos maus lençóis”. Também o ambientalista Francisco Ferreira, da Zero, receia que em vez de se reduzirem emissões “se venha a depender de soluções duvidosas de captura de carbono, quando o mundo deverá ser carbono zero em 2044”.
Muitos países e empresas, porém, têm consciência disso. Pedro Martins Barata aponta como bons exemplos em Katowice os anúncios do Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento, “que vai deixar de financiar infraestru- turas fósseis”, ou o de “a maior empresa energética inglesa colocar o carvão em fase out a partir de 2023”.
Na abertura da conferência a 2 de dezembro, Guterres alertou para o facto de “as alterações climáticas estarem a correr mais depressa do que nós” e que era preciso inverter a tendência. E fez questão de voltar à Polónia para lembrar que “faltar um acordo em Katowice será não só imoral, mas suicida”. A UE, a Nova Zelândia e o Canadá responderam positivamente ao apelo, assim como a maioria dos países em vias de desenvolvimento. A UE apresentou a Estratégia Europeia para a Neutralidade Carbónica que quer levar os 28 Estados-membros a reduzirem no seu conjunto as emissões de gases de efeito de estufa mais de 80% até 2050.
Novos avanços no combate às alterações climáticas ficam adiados para a cimeira de 23 de setembro de 2019, na sede da ONU, em Nova Iorque.
NÚMEROS
14º lugar é a posição ocupada por Portugal entre 56 países avaliados no índice de Desempenho das Alterações Climáticas, definido pela Germanwatch e a Rede Internacional de Ação Climática
30 gigatoneladas de emissões de C02 é o limite máximo anual aceitável para que as temperaturas não subam maisde1,5°C. Em 2018 atingiram-se 37 Gt
45% é a percentagem global de emissões de C02 que deve ser reduzida até 2030