Um despacho da Secretaria de Estado do Ambiente, publicado em Diário da República, a 16 de agosto, está a alvoraçar o setor dos resíduos. O documento revela que “a concessionária do sistema multimunicipal é responsável pela ativi- dade de recolha seletiva de biorresíduos”. Isto significa que o negócio da recolha dos biorresíduos dos 12 sistemas multimunicipais existentes no país fica nas mãos da EGF – Environ- mental Global Facilities, do grupo Mota-Engil. O despacho, emitido em período de férias, esclarece que “mediante protocolo de colaboração pode delegar ou manter, nos municípios que nele manifestem interesse, os investimentos e a aquisição dos equipamentos necessários para a ati- vidade de recolha seletiva de biorresíduos”. No entanto, “os municípios que pretenderem aderir (…) serão os responsáveis pela candidatura e pelos necessários investimentos bem como a realização da atividade da recolha seletiva de biorresíduos de modo a serem entregues para triagem e separação de contaminantes associadas ao respetivo tratamento biológico a processar pela concessionária”.
O documento justifica que “a fração de biorresíduos está contida nos resíduos urbanos não carecendo, deste modo, de constar de forma expressa nos contratos de concessão” e faz tábua rasa da posição da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), emitida anteriormente no âmbito do 2o Aviso do PO SEUR dedicado aos biorresíduos. A 7 de agosto, a entidade reguladora enviou à Secretaria de Estado do Ambiente e à Autoridade da Concorrência um exaustivo parecer sobre o assunto com o seu posicionamento. No parecer, a que o Água&Ambiente teve aces
so, o Conselho de Administração da ERSAR refere que a recolha de biorresíduos não integra os contratos de concessão entre o Estado e as empresas do grupo EGF, “sendo competência dos municípios”. Aliás, reforça, “este foi o enquadramento sempre assumido pelas partes”. Assim, o regulador não aceita que os investimentos relativos à recolha de resíduos orgânicos sejam integrados na Base de Ativos Regulados das concessionárias e suportadas pelas tarifas dos utilizadores.
A ERSAR alerta ainda que a atribuição do exclusivo de recolha à EGF configuraria uma situação de “privilégio concorrencial, restritiva da concorrência”.
Contactada, a EGF considera que “o despacho foi oportuno e clarificador e defende uma recolha seletiva de biorresíduos realizada no âmbito de um serviço público concessionado, da competência dos Sistemas de Gestão de Resíduos, criados exatamente para esse efeito”.
Um grupo de empresas privadas que atuam no setor está igualmente preocupado com esta situação e sobre a possibilidade do negócio ficar de fora da sua esfera de atua- ção. As empresas aguardam uma reunião com a Secretaria de Estado do Ambiente, para esclarecer o assunto, mas alertam que “caso a situação de restrição concorrencial se venha a confirmar” avançarão para uma queixa em Bruxelas. 0 representante destas empresas lembra que isso já foi feito anteriormente. “Não podemos permitir que uma importante fatia dos resíduos urbanos fique, assim, arredada do mercado”.