A situação de falha total do sistema de gestão de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos (REEE) é já um facto inquestionável e que levou o anterior Secretário de Estado do Ambiente a dizer publicamente que poderiam ser aplicadas multas até 5 milhões de euros ou mesmo a cassação de licenças neste setor.
A realidade, porém, parece ser muito diferente. Já passaram meses desde essas declarações, o Secretário de Estado em causa é agora deputado, a atual responsável governamental ainda não se pronunciou sobre o assunto e as tais multas, nem vê-las. Para já não falar na comissão de acompanhamento da gestão dos REEE proposta por João Ataíde que ainda não passou do papel.
Por isso é que não são de estranhar as ideias divulgadas pelo responsável pela maior Entidade Gestora (EG) de REEE que vem propor que a responsabilidade do cumprimento das metas de recolha e tratamento deste fluxo sejam repartidas entre as EG e outros intervenientes na gestão dos REEE.
Mas afinal, quem é que foi licenciado pelo Estado Português para garantir que as metas seriam cumpridas, não foram essas mesmas EG?
Quem é que recebe o ecovalor pago pelas empresas que colocam EEE no mercado, não são essas EG?
Mas afinal o ecovalor que recebem não chega para cobrir os custos com a recolha e o tratamento? Então, por que razão as EG propõem modelos económicos à APA e à DGAE que não geram as receitas suficientes para cumprirem as suas obrigações ambientais?
E já agora, o que leva a APA e a DGAE a aceitarem esses modelos económicos, quando se vê logo à partida que não vão funcionar?
Em 2017, o ecovalor para os equipamentos de refrigeração foi de € 66 por tonelada, tendo-se recolhido e tratado apenas 25% desses equipamentos. A meta para 2019 é de 65%, mas o ecovalor apenas subiu para € 80. Como é que a APA e a DGAE permitiram isto?
E esta EG vem agora dizer que os resultados não dependem da APA. Nada mais errado.
A APA, por ser o departamento do Ministério do Ambiente com a tutela nesta matéria, é a principal responsável pelo colapso da gestão dos REEE em Portugal, não só porque aprova ecovalores ridículos, como também porque aceita como bons, dados fornecidos pelas EG sobre o tratamento de REEE em Operadores de Gestão de Resíduos (OGR) que não têm condições para o fazer e que não apresentam qualquer evidência da remoção de contaminantes.
Como é possível aceitar que foram tratados adequadamente REEE que entram num fragmentador de VFV misturados com outra sucata metálica e que são descarregados diretamente no equipamento de fragmentação de metais sem qualquer triagem prévia de contaminantes, como aliás está bem demonstrado para os condensadores com PCBs que compõem os pequenos EEE?
Pelos vistos não aprendemos nada com as ilegalidades feitas com os REEE em Canas de Senhorim, quando as EG contrataram um OGR que não tinha condições para fazer o tratamento adequado desses resíduos e, apesar de alertadas, continuaram a enviar resíduos para essa empresa, sem que a APA fizesse o que quer que fosse para evitar estra situação.
Em 2019 Portugal vai atingir menos de 30% de recolha e tratamento de REEE, quando a meta é de 65%. Quem é vai ser responsabilizado por isto? Será que desta vez a APA vai penalizar as EG por este incumprimento?
E se não o fizer, qual vai ser a moral do Ministério do Ambiente para exigir a quem quer que seja que cumpra a legislação ambiental? E quem é que vai responsabilizar a APA e os seus funcionários por não fazerem cumprir a lei?
Rui Berkemeier é Engenheiro do Ambiente licenciado pela FCT/UNL. Foi Técnico Superior da Direção de Serviços de Hidráulica do Sul em Évora (1988-1992), na área de Controlo da poluição hídrica e extração de inertes, e Chefe de Setor de Ambiente da CM das Ilhas em Macau (1992-1996) na Gestão de Resíduos e Educação Ambiental. Desempenhou as funções de Coordenador do Centro de Informação de Resíduos da Quercus de 1996 a 2016 acompanhando as políticas nacionais de gestão de resíduos. Atualmente é técnico especialista na Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável.